quarta-feira, 23 de maio de 2007

Fontes historiográficas da Educação Física

Para desenvolver essa temática, temos de primeiramente esclarecer a diferença entre História e historiografia, pois a partir desse passo somos convocados a diferenciar a realidade da realidade histórica. De modo que, a História em sua tradição moderna e científica mais fortemente iniciada no século XVIII com o Iluminismo e a Revolução Francesa, sustentou sua prática investigativa segundo a ascepção de que o historiador seria capaz de viajar através do tempo com o fim de presenciar os acontecimentos por meio de documentos: textos, utensílios, gravuras, desenhos, pinturas. E assim retratar ou transportar em palavras toda complexidade cultural, artística, social, política, econômica, espiritual, corporal do passado para o presente de modo fiel, objetivo e sem deturpações. Dessa crença nasce a História - com "H" maiúsculo -, como sustentando o ideal de ela própria ser o retrato escrito da verdade factual passada. Todavia, essa idéia de inexorável fidelidade entre os fatos do passado e os escritos da História - Geral - Factual, foi sendo questionada paulatinamente. Os textos da Hitória deixam de ser encarados como "fotografias" do acontecimento passado, para ocuparem o lugar de estudos aproximativos. O historiador não mais se assume como o porta-vóz oficial do passado, a fim de ocupar uma posição mais humilde perante os mistérios da história. Isso muito resultou porque muitos estudiosos foram percebendo que todo escrito da História carregava fortemente o ponto de vista subjetivo do historiador ou das linhas de pesquisa na história. Dessa forma, foi sendo possível assumir que o historiador ou os grupos de historiadores estavam como qualquer outro, envolvidos com os componentes culturais, sociais, artísticos, políticos, educacionais e econômicos do presente de cada um. Assim, principalmente no século XX, a História passou a ser desvendada e analisada como sendo um conjunto de textos de história escritos guiados por seus váriados modos de serem narrados a depender do universo temporal e espacial de cada autor. De tal modo, a noção de divisões temporais bem demarcadas entre as épocas passadas e o próprio presente onde e quanto se narra o passado, começa a se desfazer. Na verdade, na escrita da História, tempos e lugares passados e tempos e lugares presentes se misturam: suas características se confundem, pois quem escreve sobre o passado sempre acaba colocando sentimentos e sentidos do presente. Por exemplo, em linhas bem gerais, se algum de nossos leitores experimentar contar uma história de sua vida em um dia presente de muita alegria, será possível identificar como esse estado emocional influenciará fortemente em sua narrativa. Mais ainda, para o experimento ficar ainda mais atrativo e comprobatório dessa nossa hipótese, tente narrar a mesma história em um dia presente que o leitor esteja muito triste ou com sentimento de raiva. Feito isso, tente verificar as diferenças. Com efeito, encarando esse fenômeno de maneira mais estrita, acadêmica e historicamente, muitos historiadores do séculos XVIII e XIX que se diziam extremamente científicos, não perceberam que eles próprios estava envolvidos com o movimento filosófico do Romantismo. Assim, por exemplo, as grandes narrativas históricas que retratam os chamados hérois do passado como reis, soldados, guerreiros, revolucionários, pensadores etc., de maneira espetacular, sofreram muita influências das literaturas trágicas e românticas. Bem como o estilo irônico ou comédia. Enfim, foi dessa forma que a chamada História Científica foi se transformando em historiografia. Esta, também científica, se diferenciava da visão megalomaníaca, pois passou a considerar que a História nunca passou de um volumoso agrupamento de textos sobre o passado. E que, portanto, tais textos também deveriam ser analisados com caltela, já que também possuem seus eganos e embaraços aproximativos. Algo que, doravante, direcionou a historiografia ao estudo de histórias particulares, concebendo o mundo humano como que constituído por pequenas histórias: história da música, história da arte, história das crianças, história das mulheres, história dos professores, história da ciência, história das religiões, história da loucura, história oral, história de comunidades, história de pessoas... e história da educação física. Sobre essa última a qual é o fundamento central de nosso trabalho, também não podemos encará-la de modo geral e absoluto como se existisse apenas UMA história da educação física. Existem várias... e a partir desse fato é que podemos discutir a questão das fontes hitorigráficas da educação física, título desta publicação. Todavia, antes de falar especificamente da temática central, há que se percorrer algumas definições - histórias - conceituais que a determinam. Começando pela famosa pergunta: O que é Educação Física? Diante dessa questão gramaticalmente tão objetiva, mas praxeológicamente tão complexa, peço ao leitor um exercício de paciência; contando antes com duas notas sobre ela, a paciência, que também parcipa de tudo que é do corpo e consequentemente da Educação Física. O dicionário Aurélio nos oferece o segundo sentido sobre a palavra: 2. Virtude que consiste em suportar as dores, incômodos, infortúnios, etc., sem queixas e com resignação. Ora, para quem acreditava ser a paciência algo estritamente espiritual e mental, se enganou. Portanto, pense bem nas palavras do Aurélio. Nessa vida, onde estão localizados e sentidos os sentimentos de dor, incômodo, infortúnio? Ou ainda, de quem o espírito depende para realizar uma tarefa com resignação? Vemos então a figura do corpo emergir à nossa frente. Vemos então novamente a figura do Pensador de Rodin (à direita) contrair toda sua musculatura durante o exercício do pensar. Dessa maneira, fixemos nosso olhar sobre a mencionada imagem, e acompanhemos esse ato escópico com a percepção de nosso próprio corpo em movimento de pensar. Nosso corpo se mexe, arrepia, contorce, contrai, diz não, diz sim! Balança a cabeça junto à dúvida que em nós surge. Portanto, o exercício da paciência é um enorme exercício físico para o corpo. Para quem ainda duvidar, reflitam sobre por que é tão difícil ter paciência. Ou ainda, por que é tão dificil fazer com que nossos alunos tenham paciência para ouvir nossas palavras? Ou ainda, por que é tão dificil sustentar o corpo em uma leitura atenta e compenetrada? Ora, a paciência depende do corpo, e se este não se dispor a tal tarefa tal como O Pensador de Rodin se dispôs à eternidade do pensar, não há pensamento paciente, atento e reflexivo. Portanto, sigamos em frente! O que é Educação Física? Antes de mais nada, essa pergunta não sugere apenas as reflexões sobre o que nós, professores de educação física, fazemos. Epistemologicamente, ele impele a definição do objeto de estudo da História da Educação Física, pois é necessário saber o que é isso para empreender um exercício histórico. Para tanto, é necessário pensar sobre o nascimento do termo, que remonta às filosofias de John Loocke, Rousseau, Kant. Estes, longe de conceberem a educação do físico como uma disciplina, encaravam-na como uma necessidade da pedagogia enquanto disciplina da doutrina das ações humanas investidas pelos controles mentais/conceituais/culturais. Logo, tratava-se mais de um controle corporal relacionado à moral, do que uma possível exploraçào das possibilidades da corporeidade, tal como vemos os estudos multi e interdisciplinares da Educação Física abrangerem suas reflexões a ações. Mas, foi tomando a filosofia como base, que as teorias da ginástica e do esporte enquanto mediações da moral filosófica moderna forjaram aos poucos o conceito de disciplinar da Educação Física entre os séculos XVIII e XIX. Grosso modo, a Educação Física nasce da transfiguração das práticas circences e dos jogos populares, para a ginástica científica e o esporte inglês, respectivamente. Portanto, a História da Educação Física é eminentemente moderna, tomada como um movimento de disciplinação das práticas corporais tradicionais conforme os intentos da Modernidade industrial, urbana e escolar.

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